Alexandre Casagrande fez carreira no audiovisual, entre direção e roteiro. O desenho e a escrita foram práticas naturais, mas a linguagem cinematográfica foi a primeira matriz criativa de trabalhos exibidos. Primeiro curtas-metragem, depois videoartes. Em 2009 fez seu primeiro grafite, em 2012 foi selecionado para a Mostra Arte Urbana no MIS-SP - Projeto Keep Walking. no ano seguinte colocou nas ruas de SP o projeto "Teatro das Coisas Naturais e Fantasiosas do Brasil", que reuniu grafites, 10 lambes, textos e uma escultura de 5 metros. Já expôs em galerias e museus como: MIS-SP, Casa da Lapa, Galeria Vermelho e GallerySPT - Madrid. Sua produção tem um viço político irremediável, que transita entre pintura, gravura e obras tridimensionais.
“Me interessa encontrar a síntese e a beleza do combate doméstico e das guerras de fora ”.
“Me interessa encontrar a síntese e a beleza do combate doméstico e das guerras de fora ”.

Alexandre Casagrande é paulista, o viço político é basilar em suas obras. O audiovisual é a primeira matriz criativa, mas atua fluente entre pintura, arte urbana e literatura. Já expôs em galerias e museus como o MIS-SP, a Galeria Vermelho e a GallerySPT- Madrid. Os mais recentes trabalhos articulam linguagens e campos de luta. “Me interessa encontrar a síntese e a beleza desses combates”.

De que maneira começou sua jornada no mundo da arte?
Eu fiz carreira no audiovisual, comecei a trabalhar no departamento de criação da MTV quando cursava desenho industrial. Acho que o desenho e a música me colocaram lá, depois me atirei nesse universo. Fui estudando tudo o que me interessava e o que era requerido para atuar nesse mercado: fotografia, interpretação, edição de som, roteiro, mas, o desenho e a palavra sempre foram dispositivos naturais pra mim. Fiz meu primeiro curta-metragem com o Cazé, com uma câmera emprestada e amigos cúmplices, e co-dirigi o segundo pela O2 Filmes. Depois que eu comecei a atuar na publicidade, senti a necessidade de criar caminhos para os projetos autorais. Fiz videoarte para espetáculos de dança contemporânea, criei teasers para o espetáculo "Um Circo de Rins e Fígados" do Gerald Thomas. Em 2009 comecei a fazer grafite e em 2012 fui selecionado para a Mostra Arte Urbana no MIS com curadoria do Giovanni Bianco, o diretor artístico da Madonna. No ano seguinte fiz um projeto de arte urbana chamado "Teatro das Coisas Naturais e Fantasiosas do Brasil" com apoio da SOS Mata Atlântica. Espalhei 10 lambes gigantes de aquarelas e pinturas que fiz inspirado pelos registros de Eckhout feitos numa expedição ao Brasil colônia. Instalei os lambes nas margens dos rios Tietê e Pinheiros. O projeto ainda reunia textos, grafites e uma escultura de 5m. Desde então, eu tenho alternado a linguagem, mas o tema primordial é o Brasil, as lutas e memórias em disputa da nossa história.

Quais temas prefere explorar em suas obras?
Eu leio muitos autores das ciências sociais: Milton Santos, F. Fernandes, C. Evaristo, A. Nascimento, R. Bastide, os caribenhos e revolucionárias, como Lélia Gonçalvez, T. Morrison, Nêgo Bispo, F. Fanon, Amilcar Cabral e Wole Soyinka. Também leio romances e artigos sobre tecnologia e ciências como tivesse de carregar uma incubadora. Acho irrefutável o papel de ativista nesse nosso tempo. Eu posso me encantar com a estética do abstracionismo, do minimalismo, etc, mas, esse não é o meu pulso. Sou um artista brasileiro, morei até a juventude na periferia, na casa que meu avô (italiano) paterno ergueu. Ele era um pedreiro, um artífice, não um engenheiro, muito menos um latifundiário como o meu sobrenome sugere. Dormi num quarto com meus avós maternos e meus dois irmãos, dividi por anos duas camas de solteiro com meu irmão mais novo e meu avô (baiano) materno. Sou desse Brasil miscigenado e tenho consciência da branquitude e dos privilégios, mas sei de onde vim e o que me afeta. O Brasil é meu campo de luta e pesquisa, de reconhecimento e de assombros. E, há o tempo em que vivemos que impõe desafios e exige um pensamento crítico. Sinto o odor, vejo sinais do armagedom, mas preciso ultrapassar o pessimismo e produzir. Acho que a ironia e o escracho, a revolta e a franqueza são os instrumentos cordiais para atravessar o lodo.
Como é o seu processo criativo?
Gosto do escuro. Às vezes começo no caderno revisitando ideias, às vezes sou incitado por uma cena do cotidiano, por textos, então começo a colocar um elemento na tela, depois conecto signos, sempre pauso, insiro elementos, gosto de abrir um tabuleiro inédito para o observador. Gosto de composições caóticas, de deixar janelas do processo abertas. Há séries que exigem pesquisas e há pesquisas que surgem como um desejo autônomo e pesquisas perenes. Me interessa mais insinuar do que concluir. Claro, se há um carro, ele será um carro para todos, mas numa composição tão diversa, cada um vai onde quiser com esse veículo.
Gosto muito de me aventurar em diferentes práticas e de usar o corpo, a sabedoria do corpo para explorar as diferentes matérias e instrumentos. Comecei a fazer esculturas a partir de embalagens de isopor, essas que protegem micro-ondas novos de acidentes. É impossível saber onde chegar, por isso é tão interessante provar formas, tralhas, vasculhar caçambas para ligar e desativar funções de objetos. Ando atento aos períodos de vigília, aos sonhos e a essas imagens que rondam despretensiosas o inconsciente, sempre acho algo original nessas redes. O audiovisual requer outro tipo de método, com o qual já estou familiarizado, mas cada gênero pede uma abordagem. O clip "Subirusdoistiozin" do Criolo, que eu co-dirigi, exigiu um orçamento razoável e uma equipe comprometida, um desenho só pede papel e um naco de carvão.
Gosto muito de me aventurar em diferentes práticas e de usar o corpo, a sabedoria do corpo para explorar as diferentes matérias e instrumentos. Comecei a fazer esculturas a partir de embalagens de isopor, essas que protegem micro-ondas novos de acidentes. É impossível saber onde chegar, por isso é tão interessante provar formas, tralhas, vasculhar caçambas para ligar e desativar funções de objetos. Ando atento aos períodos de vigília, aos sonhos e a essas imagens que rondam despretensiosas o inconsciente, sempre acho algo original nessas redes. O audiovisual requer outro tipo de método, com o qual já estou familiarizado, mas cada gênero pede uma abordagem. O clip "Subirusdoistiozin" do Criolo, que eu co-dirigi, exigiu um orçamento razoável e uma equipe comprometida, um desenho só pede papel e um naco de carvão.
Quais são suas fontes de inspiração?
Tudo pode ser inspiração, uma viagem, os romances do Baldwin, o sadismo de Apollinaire, mitos, uma notícia, o desenho na fachada de um açougue, a capa de um disco. Eu fui à África no ano passado, fotografei estudantes nas estradas, acidentes na rodovia, mulheres levando seus filhos à igreja, mercados, fachadas, máscaras de toda a África. Um dia sai a pé pela comunidade e fui entrando nas vielas, vi de longe algumas mulheres que vestiam burcas dançando ao som de uma música incrível, um pop eletrônico africano cantado em árabe. Fui me aproximando e cheguei a um quintal onde havia um paredão de som como vi nas festas da Jamaica, um DJ com um lap top fazendo a comunidade sair do corpo. Eram mulheres, crianças, estudantes... Eu tive que me conter para não ser um branco indesejado dançando entre eles.
Criei uma obra tridimensional chamada "Colégio Panóptico" onde despejei muito dessa minha experiência. Outros artistas também me inspiram, mas prefiro manter a visão mais abrangente para produzir com mais autonomia.
Criei uma obra tridimensional chamada "Colégio Panóptico" onde despejei muito dessa minha experiência. Outros artistas também me inspiram, mas prefiro manter a visão mais abrangente para produzir com mais autonomia.

Quem são as influências artísticas que impactaram seu trabalho?
Os artistas de quem eu gosto me afetam. Eu me deixo ser ocupado por gostos de obras que eu esqueço. Mas sei apontar nomes porque são os artistas que visito com gosto e frequentemente. Basquiat é monstruoso, gosto particularmente das composições e do traço. Tetsuya Ishida é fantástico, conheci na bienal de Veneza e me encantei completamente. Ele era um sujeito pessimista como eu e via a juventude numa cilada, sem emprego e perspectiva, combinou contestação com realismo mágico, incrível. Kerry James Marshall, Ventura Profana, nossa!!!! Dr. Fahamu Pécou é incrível, pinta um realismo de assombrar. Gosto muito de Cattelan, Henrique Oliveira, Christo e Robert Smithson. Na linguagem audiovisual gosto muito do Bill Viola, do Lucas Bambozzi e do grupo DV8 Physical Theatre, grupo do Lloyd Newson que trabalha com performance e dança. Quero muito voltar a trabalhar com dança contemporânea.

Como você se mantém atualizado sobre as tendências do setor?
Eu tento visitar todas as feiras e exposições que eu puder. Tenho interesse genuíno, é um meio de lazer, inclusive dos mais baratos. As visitas são importantes porque a experiência presencial é totalmente diferente das virtuais. Ao vivo é possível perceber as dimensões, materiais e técnicas, a aura que W. Benjamim enfatizou e que as técnicas de reprodução eliminaram da percepção do observador. Fico muito atento à percepção sensorial, aos aromas, sons, luzes que refratam e afetam as obras, à expografia e aos textos das exposições. Tudo isso só é possível nas visitas.
Gosto de combinar, quando viajo, visitas aos museus e galerias locais. Quando fui à Itália, cheguei à Veneza com os ingressos da Bienal comprados e acho que a experiência teria sido completamente outra sem a Bienal.
Embora eu prefira as visitas presenciais, também me divirto com as virtuais. Muitos museus e exposições oferecem tours em realidade aumentada, é uma maneira de eliminar barreiras e distâncias. Eu educo o algoritmo todos os dias para continuar vendo perfis de artistas interessantes, de galerias e curadores, até para que eles me vejam. Um dia desses notei que a Adriana Varejão curtiu uma obra minha, quase fiz um quadro e um repost do coração.
Gosto de ler artigos nos websites das revistas especializadas e livros de historiadores de arte pra formar meu senso.
Gosto de combinar, quando viajo, visitas aos museus e galerias locais. Quando fui à Itália, cheguei à Veneza com os ingressos da Bienal comprados e acho que a experiência teria sido completamente outra sem a Bienal.
Embora eu prefira as visitas presenciais, também me divirto com as virtuais. Muitos museus e exposições oferecem tours em realidade aumentada, é uma maneira de eliminar barreiras e distâncias. Eu educo o algoritmo todos os dias para continuar vendo perfis de artistas interessantes, de galerias e curadores, até para que eles me vejam. Um dia desses notei que a Adriana Varejão curtiu uma obra minha, quase fiz um quadro e um repost do coração.
Gosto de ler artigos nos websites das revistas especializadas e livros de historiadores de arte pra formar meu senso.
Qual é o papel do artista na sociedade de hoje?
Eu já disse que sou pessimista? Pois é, há um modelo matemático que foi elaborado por cientistas da Universidade de Chicago batizado de "Relógio do Juízo Final". A primeira marcação desse "relógio" foi em 1947 e tinha inicialmente os ponteiros marcando sete minutos para a meia noite. A cada ameaça à vida na Terra o ponteiro maior é ajustado mais perto da meia noite. Hoje o ponteiro corre na casa dos segundos. O pensador, linguista e professor Noam Chomsky, lembrou que as maiores ameaças, segundo esse grupo de cientistas, são: o desenvolvimento de armas nucleares, o agravamento das mudanças climáticas e o discurso irracional. Os países que assinaram o tratado de não proliferação de armas nucleares continuam produzindo e aprimorando seus armamentos, o negacionismo se opõe radicalmente contra medidas de preservação, contenção de catástrofes e o desenvolvimento de energia limpa, por exemplo. Sobre o discurso irracional, basta lembrar quem foi eleito nos EUA e com qual discurso, e como a extrema direita se posiciona em relação à regulação das atividades das big techs e a interferência dessas na superestrutura.
Eu só consigo ver o papel do artista como um tipo de ativista, um provocador, um sujeito capaz de revelar os truques, fraudes e fraturas do mundo. E, se for possível, injetar um tanto de beleza por aqui enquanto há tempo.
Eu só consigo ver o papel do artista como um tipo de ativista, um provocador, um sujeito capaz de revelar os truques, fraudes e fraturas do mundo. E, se for possível, injetar um tanto de beleza por aqui enquanto há tempo.
Você participou de alguma exposição marcante que gostaria de compartilhar?
Participei da mostra Arte Urbana no MIS-SP Projeto Keep Walking com a obra "Genealogia do Superstar". A exposição teve curadoria do Giovanni Bianco, diretor artístico da Madonna. Uma das obras seria escolhida para ilustrar o novo single que a Madonna lançaria durante a turnê no Brasil. Eu pesquisei os álbuns dela e a maioria tinha o rosto ou o corpo dela na capa. Decidi fazer o projeto inicial: uma paisagem do Brasil colonial onde um monge beneditino sem rosto guardava a chave que mantinha acorrentado um escravizado com um corpo exuberantemente forte e perfeito. Eu, obviamente, não fui o vencedor, também, não ouço Madonna. Ouço Pharoah Sanders, Tiganá Santana, Tom Zé, Xênia França, Pj Harvey, Baxter Dury, Feu! Chatterton, Mateus Aleluia, Hercules And Love Affair, Tulipa.
Apresentei três videoartes para o espetáculo "De Zero a Um" da coreógrafa Lara Pinheiro dentro da Mostra de Performance Instalação e Dança na Galeria Vermelho. Foi uma experiência incrível e muita pessoal, eu fiz uma das videoartes com a minha filha quando ela tinha 3 anos ("Minha Querida Entusiasmo"), ela ficou se vendo nas telas, e de repente fazia parte do espetáculo, imitava os movimentos das bailarinas, se jogava no chão, foi demais.
Em 2024 eu expus no Salão Internacional de Artes da Espanha na GallerySPT, a obra "Território Usado" ganhou menção de melhor pintura.
Apresentei três videoartes para o espetáculo "De Zero a Um" da coreógrafa Lara Pinheiro dentro da Mostra de Performance Instalação e Dança na Galeria Vermelho. Foi uma experiência incrível e muita pessoal, eu fiz uma das videoartes com a minha filha quando ela tinha 3 anos ("Minha Querida Entusiasmo"), ela ficou se vendo nas telas, e de repente fazia parte do espetáculo, imitava os movimentos das bailarinas, se jogava no chão, foi demais.
Em 2024 eu expus no Salão Internacional de Artes da Espanha na GallerySPT, a obra "Território Usado" ganhou menção de melhor pintura.
Para saber mais sobre o artista ou entrar em contato
Website: www.casa-casadeabelha.blogspot.com
Instagram: https://www.instagram.com/casalavrada



