Beca Chang, ceramista e artista autodidata paulistana, vive e trabalha em sua cidade natal. Mestiça de mãe brasileira e pai imigrante coreano, reflete sobre sua ancestralidade, reconectando as duas culturas, como elementos de proteção, a fauna e a flora, o feminismo asiático-brasileiro. Em 2015, começou seus estudos com técnicas manuais de cerâmica, mas foi em 2019 que começou a praticar a escultura, iniciou sua pesquisa sobre totens coreanos, os Jangseung (Guardiões da aldeia), que são uma manifestação popular coreana, usados para afastar os maus espíritos, trazendo elementos das Américas, também o uso da representação da fauna da Mata Atlântica. Em 2021, iniciou sua investigação sobre o leste asiático, como forma de se reconhecer como mulher asiática-brasileira, fez curso livre de escultura com e aula de caligrafia chinesa, formas de pinturas com nanquim e experimentações.
A série de trabalhos em cerâmica chamada Fermentação, é uma reflexão sobre a conservação de memórias. Fermentação é um processo de conservar alimentos, na Coreia é usado o vaso hangari e em todo outono as famílias se reúnem para produzir as conservas para passar o inverno. Pensando sobre esse processo, porque não fermentar as histórias? A Fermentação é ativa, assim como nossas lembranças.
Obra de arte de Beca Chang - Memória - Série Fermentação, 2024 - Cerâmica

De que maneira começou sua jornada no mundo da arte?

Eu era cozinheira profissional, e nos restaurantes tive acesso a cerâmica, e foi quando resolvi mudar de profissão e me dedicar à cerâmica integralmente. A cerâmica mudou completamente a minha vida, pois eu sempre amei artes visuais, mas nunca vi a arte como uma perspectiva de trabalho, na pandemia tive a possibilidade de me conectar comigo mesma e explorar mais a escultura e a pintura. Em 2019, eu me apaixonei pelos Jangseung, totens de proteção coreano, quando meu amigo me pediu uns copos com referência coreana para o restaurante que ele trabalhava na época, o Komah, ele me pediu para fazer uma releitura dos Tikis havaianos, como eu não tive contato com minha parte da família coreana, devido ao abandono paterno, desconhecia completamente a cultura da Coreia, foi nesse momento em que comecei a pesquisar sobre essa cultura e fui encontrada por esses totens. Os Jangseung viraram minha obsessão, Nesse momento também comecei a me reconhecer como mulher amarela e a refletir sobre o que é ser mestiça no Brasil, então comecei a explorar isso nos meus trabalhos.
Obra de arte de Beca Chang - Lembranças - Série Fermentação, 2024 - Cerâmica

Quais temas prefere explorar em suas obras?

Eu prefiro explorar a fauna e a flora do Brasil, pela diversidade, riqueza e importância natural, como forma de conscientizar e proteger, muitas vezes conectando com os totens de proteção, nos meus trabalhos aparecem muito o Pirarucu, peixe da Bacia Amazônica, Sanhaço-de-encontro-azul, pássaro endêmico da Mata-Atlântica que está ameaçado a extinção devido a degradação do seu habitat natural. Trago esses temas com a linguagem voltada para a Ásia, em especial a Coreia e a China. Gosto de explorar a mulher asiática, literatura, memórias pessoais, cerâmica tradicional coreana e da América Latina.

Como é o seu processo criativo?

Meu processo criativo é muito intuitivo, sou autodidata, então eu exploro as ideias que vêm no momento até esgotá-las, por isso acabo fazendo muitas séries, eu fico obsessiva, com algum material, forma, animal, muitas vezes não retorno à elas, às vezes retomo com um pouco mais de elaboração. Esse processo partem da vontade de me conectar com meus ancestrais, como se eles me guiassem e sinto muitas vezes que já fiz isso antes. Fui fazer um workshop de caligrafia chinesa, depois disso, descobri que meu avô paterno era calígrafo, e fez algumas fachadas no bairro da Liberdade, ele falava coreano, chinês e japonês, além de esculpir em madeira.
Obra de arte de Beca Chang

Quais materiais e técnicas você usa com mais frequência?

A cerâmica sempre está presente, eu sempre faço muitas peças em cerâmica, experimentando formas diferentes de queima, ou a forma em si, em 2023, estava muito nos totens modulares, fiz três, dois de 2m e um de 1m, nesse ano estava mais nos vasos de fermentação, que pretendo explorar mais essa forma. Uso também o nanquim, preto, vermelho e branco, tinta acrílica sobre tela e papel. Recentemente descobri o lápis de cor, tenho feito algumas ilustrações com esse material.

Quem são as influências artísticas que impactaram seu trabalho?

Com certeza as minha influências são arte coreana, chinesa e japonesa, jangseung, Eombawi, máscaras de teatro asiáticas, Georges Seurat, eu sou apaixonada por pontilhismo, aprendi muito observando os trabalhos dele, Rosana Paulino, Speto, Anita Malfatti, Remédios Varo, Frida Kahlo, Magritte, Hayao Miyasaki, Tomie Ohtake.

Qual é o significado da arte em sua vida?

A arte é a forma que consegui me conectar comigo mesma e com meus antepassados, é forma que sinto que estou mais perto de mim mesma e ela chegou na minha vida para me curar do meu trauma do abandono do meu pai, foi a forma que encontrei inconscientemente e ter uma referência da falta, da ausência dessa figura que deveria ter estado ali para me mostrar a cultura da nossa família. A arte é uma ressignificação de símbolos, conceitos, lembranças, é estar presente.
Obra de arte de Beca Chang

Qual é o papel do artista na sociedade de hoje?

O artista é artista, porque não saberia ser de outra forma, o papel é expressar o incômodo interno que de certa forma reflete a vida por si próprio, pelo seu tempo e pelo mundo que ele vive. Através do trabalho artístico leva as pessoas à refletirem também sobre a vida e a transcender o cotidiano. O ato de apreciar a arte, vai se desenvolvendo conforme a pessoa se educa, a partir de referências artísticas. Fazer arte é algo político, visto que não são todas pessoas que possuem acesso, a arte não é democratizada para a sociedade como todo, então o papel do artista é também atuar politicamente na sociedade comunicando, expressando as dores sociais e ambientais.

Você participou de alguma exposição marcante que gostaria de compartilhar?

Nesse ano participei da Exposição Nós, na Galeria Diáspora, foi uma exposição com artistas asiáticos brasileiros, voltado para a diversidade, com o propósito de olhar forma coletiva, idealizada para reconhecer das camadas que se conectam e se distinguem nas comunidades, coletivamente e também subjetivamente a partir da vivência de cada indivíduo. Achei incrível essa proposta e me marcou muito estar com meus pares. A Galeria Diáspora, tem como objetivo pensar a presença das minorias que são estereotipados, que passam pelo processo e exotificação no cenário das artes visuais.

Para saber mais sobre o artista ou entrar em contato

Instagram: @becachang

 

Obra de arte de Beca Chang

 

Obra de arte de Beca Chang

 

Obra de arte de Beca Chang

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